
Eu não tinha coragem de me mexer. Demorou muito para me convencer a abrir os olhos. Parecia que tudo estava quieto, mas eu tinha certeza que alguma coisa se movia ali no canto. Era como se as sombras brincassem com elas mesmas, rodopiando e cantando, cirandando de mãos dadas. Quase dava pra ouvir sua canção de júbilo.
E o mais estranho foi minha ausência de estranheza...

Além disso, eu não sabia de muita coisa mais. Quase não sabia quem eu era. Tinha a vaga consciência de ter estado em épocas longínquas e espaços infinitos, mas não conseguia precisar o aqui e o agora.
Mas tinha a nítida lembrança de ter estado em um quarto escuro. Sabia que era um quarto, pois havia uma cama e uma pessoa dormindo nela. Acho que a acordei, porque ela olhou direto para mim.

Me senti na obrigação de lhe proporcionar algum alívio, um meio de esquecer o peso da vida e se sentir livre de todo o sofrimento.
Com amor e ternura, eu o toquei em solidariedade.
E soube, de um modo ou de outro, que naquele momento eu estava morto.
P.S.: Sempre achei divertido o anel de Möbius, mas foi Neil Gaiman quem me demonstrou seu sentido narrativo em seu conto "Os Outros", e sim, este conto foi muito inspirado no dele e surgiu, da mesma forma, muito imprevisivelmente. "Os Outros" encontra-se na coletânea "Coisas Frágeis 2".
Muito legal o texto, Delano, intenso e dramático.
ResponderExcluir"Quase não sabia quem eu era. Tinha a vaga consciência de ter estado em épocas longínquas e espaços infinitos, mas não conseguia precisar o aqui e o agora." é meu trecho preferido. Parece um pensamento vindo direto da alma recém-liberta.
Abraço
Fico muito orgulhoso com seu comentário, Sandro, pois foi essa minha intenção.
ResponderExcluirE muito obrigado pelos elogios!
Seus contos sempre nos fazem viajar com o personagem! Muito bom!
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